terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Ciclo de fins

Século XXI. Todos os clichês pós-modernosos convergem para uma era caótica, em que o dragão da esquerdalha histérica, o capetalismo vil e selvagem, nos torra a todos, monstro impiedoso. Ao que parece, andamos numa pontezinha balouçante sobre o abismo de fogo que é a Terra superaquecida pelo aquecimento global. Um vento fantasmagórico nos sopra aos ouvidos palavras de desalento. E um bando de purpurinados faz questão de agitar ainda mais as cordas rotas da velha ponte, reclamando vez e voz.

É a perfeita fábrica de malucos. Aí buscam em livros de auto-ajuda (!) o mapa do sucesso profissional, o manual do casamento perene, a fórmula alquímica para transformar lágrima em ouro. Os mais sabidos conseguem construir um sólido castelo de areia, sem saber que já se forma ao longe a tsunami da realidade. Fiéis lotam templos, universais na marotice dos donos. Uns porejam sofrimento sobre o divã de um doutor que consegue ser ainda mais desequilibrado. Outros, em arroubos de iconoclastia, pulverizam palavras ásperas em crônicas ordinárias, no vão objetivo de causar um impacto qualquer.



Contudo, o otimismo anuncia heróis. Certo dia, não mais que de repente, bate no jovem universitário o espírito aventureiro. “Mamãe, não me espere pra janta: fui mudar o mundo!”, diz o bilhete pregado na geladeira apinhada de todinho do famigerado sistema. Munido de um arsenal de velharias acadêmicas, marxismos empoeirados e um carro do ano, sai por aí ocupando reitorias. Outrora os heróis eram cavaleiros e santos; hoje podem ser estudantes ou presidentes. Não que tenha piorado... nem que tenha melhorado.



Então, para que não pensem que tudo é uma grandessíssima bola de neve rumo a um abismo incandescente, ao fim e ao cabo, resta um consolo: tirando a média, noves fora, tudo permanece igual. Afinal, através da Idealização da humanidade futura, um Augusto dos Anjos transmite a beleza da desgraça (ou a desgraça da beleza):

Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
- Homens que a herança de ímpetos impuros
Tomara etnicamente irracionais!

Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos
Realizavam-se os partos mais obscuros
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!

Um comentário:

Lucas disse...

O otimismo é uma característica marcante desses posts afonsinos.
hE!
Muito bem escrito e pensado.