sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Sistema Sucks.


Não quero trazer uma mensagem triste a você, caro leitor, mas um dia todos cedem ao Sistema.
O Sistema é um ente impessoal, desorganizado, insensível e dominador. Quem não foi bloqueado pelo Sistema? Quem não foi desautorizado por ele? Quem não teme o Sistema? Quem não odeia o Sistema?
O Sistema é "bifacético" , porém, essencialmente, é o mesmo. O Sistema pode configurar-se como a justificativa para os despautérios cometidos pelas grandes empresas e pode metamoforsear-se em justificativa para a inércia dos servidores públicos. O Sistema se vale da tecnologia, da burocracia e da sua paciência para dominar-lhe. É irritante, constrangedor e mostra-se onipotente e inquestionável.
É difícil enfrentar o Sistema, não é justo cobrar isso de alguém. Quando se lhe enfrenta, ou se sai com uma derrota realmente desastrosa ou com uma vitória carregada de responsabilidades; sabendo-se que o primeiro caso prevalece nas poucas tentativas de derrubá-lo ou modificá-lo, não se ousa tanto enfrentá-lo.
O Sistema do "serviço público" aglutina funcionários indicados pelo recurso do nepotismo e do clientelismo, frustra-se por causa desse pesado fardo e desconta no cidadão comum , que é obrigado a ver , por exemplo, uma lista de aproximadamente 30 psicólogos no flanelógrafo da área de saúde da Assembléia Legislativa do Ceará e constatar que naquele exíguo local não há espaço nem pra dois.
O Sistema do Serviço Privado acoberta os responsáveis por eventuais ações devastadoras tomadas pelas empresas privadas. Coloca no fronte as "telemarketings" , verdadeiros soldados que buscam atingir metas impossíveis, como lhe convencer de que a Oi se importa com você e que o SAC atende o consumidor.
Creio que o Sistema surgiu com as Pessoas Jurídicas. Como o Estado e as Empresas assumem essa forma de organização, o Sistema os acoberta de eventuais responsabilidades. Não me venha com balelas de responsabilidade objetiva, esta nunca pune o verdadeiro responsável.
Finalizo com o depoimento de um recém-aglutinado pelo Sistema: " Tu entra no teu trabalho doido pra fazer tudo direitinho, de acordo com as normas de segurança e com a teoria...mas não dá, não há interesse em melhorar, porque esta esperança há muito desvaneceu da mente de quem foi incorporado na onda do Sistema. Eu estou sendo incorporado, não creio que haja volta tampouco melhora."

Sistema Sucks.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

OS FLANELINHAS SÃO NEOLIBERAIS


Eles realmente são, acredite. O Tasso Jereissati é flanelinha. O Zé é neoliberal. Os dois nos extorquem, apropriam-se do bem público e guardam nossos carros, são VIGILANTES. Fartura, fatura, mas ...quanto, por quanto e até quando? Palpito que até a morte, a nossa.
Os flanelinhas deterioram nossos carros(ou nossas vidas) se não dermos a gorjeta. Os Tassos nos prendem em cárceres privados, os shoppings. Os flanelinhas usam paus, pedras, facas e eventualmente escopetas e metralhadoras. Os "tassos" possuem máquinas, policiais, seguranças , o BOPE. Além do culto a Friedman, o que os dois têm em comum e com quem os dois contam? Os dois fazem parte de corporações (sentido lato), os flanelinhas da AVV ( Associação de Vigilantes de Veículos) e os "tassos" da FECOMERCIO e da FIEC. Os dois vão de encontro à lei, aos direitos fundamentais, à civilização justamente organizada. Os dois contam com o Estado, o flanelão maior. E o pior dessa pocilga toda é que sabemos de tudo. E o elemento mais trágico, é que não fazemos nada.
O fundamentalismo de mercado apregoa que somente o que se cerca adquire valor. Como bons seguidores da religião, os flanelinhas delimitam espaços na rua, fazem dinheiro e não pagam impostos. São trabalhadores informais e sofrem todas as conseqüências decorrentes disso. Os tassos , como fanáticos homens-bombas do lucro desenfreado e irresponsável, delimitam espaços na cidade, de preferência os ambientalmente protegidos, e sonegam impostos. São considerados empresários e adivinha?...desfrutam de todas as conseqüências advindas disso.
O Zé não se importa em ser neoliberal. O Tasso não se importa em ser flanelinha. O Zé fatura 10000 por ano na Beira-mar. O Tasso 10000 por hora guardando carros no Cocó. O Estado execrável e conivente fatura 15,6 milhões por ano em toda a cidade.
Locupletar-se de dinheiro às custas dos mais fracos, dos impotentes, é a marca do estado,do empresário e do flanelinha neoliberal. Uma rede impudica que trabalha na surdina harmonicamente, sendo negligente, corrompendo e extorquindo. Cada uma com sua função, é a Indústria da inVigilância Compulsória Ilimitada . A indústria que não produz, só arrecada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Falei, e confirmaram...

Essa sim, é verídica.

Quarta-feira, nada pra fazer, uma amiga na cidade. Há quase três anos saí de casa pra morar no Sudeste. Sou cearense como todos sabem, e é sempre bom ver por aqui coisas que nos lembrem nossa terra natal, principalmente amigos. Quer dizer, principalmente amigas. Saí de casa acompanhado por um mineiro, um Palio Weekend e um funkzão nas alturas. Liguei, peguei o endereço e fui para o hotel onde estava a menina.

Belo hotel, confesso, muito bom o atendimento, especialmente no que tange ao "Sr. Pedro". Está aí, gostei. Na espera pela moça, me abstive do Red Label e do cafezinho, que "a mi me gustan", e resolvi me inteirar do que acontecia pela mundo. Ando muito alheio às coisas, entrando nos livros antigos, revendo conceitos, fazendo avaliações. Tomei de O Globo e fui às notícias.

Tinha falado sobre isso, mas não acreditava que a situação atual estivesse tão gritante: a arredacação extra do governo foi superior ao valor total recebido pela CPMF. Em número, 35,7 bilhões de arrecadação não esperada (fazem-me rir!) e um pouco menos de 30 bilhões de CPMF. Os motivos para isso já foram, pelo menos parcialmente, expostos anteriormente. E de tudo isso, somente 5 bilhões foram liberados para o orçamento.


A Receita Federal abriu o jogo: só em outubro, a arrecadação brasileira foi de quase 55 bilhões. 12% a mais que outubro de 2006, valor recorde para o mês. Falei? Falei, e confirmaram. Recordes e mais recordes de arrecadação tributária. Realmente vale o esforço de jogar aberto e colocar a nu toda a realidade que atinge diretamente nossas vidas.


Sabem o que significa a tal da CPMF? Contribuição Provisória por Movimentação Financeira de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira. Ela foi instituída em nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional número 12 de 1996 e sua cobrança passou a vigorar pela Lei 9331 do mesmo ano, por treze meses. Foi prorrogada e reprorrogada e novamente prorrogada, ou, como preferem alguns, reinstituída, pois não se pode prorrogar algo que não está em vigor.


Essa discussão sobre CPMF já está estampada nos jornais. O que não está lá é meu extrato bancário. Sempre que vou ao caixa eletrônico para ver como estão as contas, exclamo aos céus, em voz baixa porque sou discreto: Meu Deus! Eu, um pobre-diabo, "jovem que desce do norte pra cidade grande", tentando ganhar a vida com muito esforço, de pouquíssima capacidade contribuitiva, estou sendo massacrado. É de R$ 2,56 aqui, R$3,41 ali, que a galinha enche o papo.


E é de bom alvitre que se dê logo um jeito nisso tudo. É similar ao caso da garotinha que não tem carteira de estudante por incompetência dos entes públicos e está pagando inteira todo dia para ir e para voltar: mexeu com dinheiro, meu amigo, brincou pesado. Todos sabem e eu confirmo - a parte mais sensível do corpo humano é o bolso.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Vale o Esforço de Jogar Aberto

Não é do meu gosto ausentar o Seu Cosme dessa história, que já está mais falado que filme do BOPE. Fa-lo-ei tendo em vista que a situação do país me obriga a expor alguns pensamentos. Vou até tentar me furtar dos enquadramentos jurídicos da questão que deixo para os mais especializados no assunto. Não é crítica ferrenha ao governo atual. Mesmo porque não me pretendo fazer de Diogo Mainardi, Lauro Jardim ou qualquer outro colunista daquele folhetim publicitário do PSDB já conhecido de todos, que alguns chamam de revista. E outros assinam. É somente uma exposição dos fatos.

Quem já foi pegar a merenda na cozinha e passou perto do pai assistindo o jornal já ouviu falar de superávit primário. O inocente com algumas noções econômicas logo deduz que o Brasil está recebendo mais do que gastando, uma boa para o país. Afirmo: meia verdade. E meia com chulé. Analisemos nosso famoso superávit, que o carinha da merenda com acerto já sabia – são matematicamente receitas menos despesas.
Estas podem ser divididas em dois tipos: as correntes e as de capital. As de capital são os investimentos do governo, nela incluímos a construção de hidroelétricas, de hospitais, de escolas. Investimentos esses, a princípio, previsto no Plano Pluri-anual, que o garoto ouviu na TV também quando voltou para pegar a coca-cola que tinha esquecido na geladeira. Esse Plano devia ser bem mais explorado, porque nele o governo mostra a que veio, no que pretende investir nos próximos quatro anos, mas pouquíssimos tomam conhecimento dele. Além desse tipo, temos as despesas correntes. Essas são as que fazem a roda girar, o sistema público funcionar: o dinheiro para pagar os funcionários, para comprar a caneta dos deputados, para arcar com os juros da dívida externa. Por favor, lembrem-se desses juros, voltaremos a eles ainda. A realidade das despesas brasileiras amostra que, infelizmente, as correntes são superiores às de capital. Gastamos mais para manter a máquina em movimento do que para educar nossas crianças, dar saúde à nossa população, gerar empregos nas construções governamentais. A Lei de Responsabilidade Fiscal (impossível fugir do Direito!) já aborda até mesmo a possibilidade de exclusão dos funcionários públicos caso a folha de pagamentos da União, dos Estados ou dos Municípios esteja excedendo determinada porcentagem do total de despesas de tais esferas. Não estamos tão bem.

Mesmo assim é notícia: Brasil atinge as metas de superávit primário. E se o atinge, é à custa de quê? Digo: recordes sucessivos de arrecadação tributária. Não é novidade para mais ninguém que os tributos no Brasil estão entre os maiores do mundo. Há três formas de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Certa vez, ouvi de um vizinho que me dava carona até a praça: “Pago meu IPVA direitinho para ter que dirigir nessa merda de rua. Toda esburacada”. Falou merda, nos dois sentidos. Realmente, como cidadão, ele teria seus direitos de melhores estradas, mas não se pode relacionar isso ao pagamento de um imposto. O imposto não está vinculado a nenhuma vantagem a quem paga. Ele vai para os cofres públicos que fazem dele o que bem entenderem. Não há problemas em pegar o IPVA para construir um hospital. As taxas, sim, têm alguma relação com os benefícios de quem paga. Quem paga taxa da coleta de lixo tem o direito de ver os garis recolhendo alegremente o que colocam nas lixeiras em frente às residências, com cheirume e tudo. No meu bairro, nós pagamos a tal taxa. Teve um, Marcelo, que não quis pagar. Alegara que não punha lixo pra fora de casa, enterrava-o no quintal, ou outras alegações que não recordo. Sei que não conseguiu o que queria: continua pagando. Isso porque a taxa incide sobre quem usa e também sobre quem pode usar. Outro vizinho chorava suas mágoas: “Pago meu IPTU direitinho para ter minha rua asfaltada, a iluminação pública perfeita, ver as praças arborizadas, mas olha só: nosso bairro está uma merda”. Leitor atento já sabe que falou merda, e nos dois sentidos também. O que pode desconhecer, porém, é que se a Prefeitura executasse as obras exigidas pelo chorão, aumentando o valor do seu imóvel, poderia ser tributado com a chamada Contribuição de Melhoria. Já que suas posses subiram de preço devido às obras públicas, nada melhor que retribuir aos cofres da cidade com uma contribuição sobre a valorização obtida.

Nossa recordista arrecadação tributária é fortemente calcada nos impostos indiretos, aqueles que incidem sobre os produtos. O imposto direto, como o Imposto de Renda, tem uma característica chamada progressividade – quanto mais ganha o sujeito, uma maior porcentagem do seu salário é despendida em tributos. Esse fato não ocorre com os indiretos, como o ICMS. O carinha que esquecera a coca-cola tinha pagado, sem se atentar para isso, 10 centavos de ICMS, ou seja, 1% da sua mesada. Agora o deputado que toma sua coca-cola numa praia do Nordeste também paga os mesmo 10 centavos, ou seja, 0,0000000001% do seu mensalão. É o que chamamos de imposto regressivo. Esse tipo de imposto, que predomina no sistema tributário brasileiro, atrapalha em muito a distribuição de renda.

Apesar disso, isso não é tudo. Vamos à realidade. Na continha de subtração que resulta no superávit primário não entram os juros da dívida pública que pedi educadamente para que lembrassem. Alcançam-se esses índices para justamente poderem pagar o que devem. Quando incluímos esse pequeno detalhe, acabamos no que é denominado déficit nominal. O país, na verdade, gasta mais do que arrecada, o que normalmente acarretaria num maior endividamento do país. Para solucionar esse problema, pode-se apelar para a emissão de papel-moeda ou aumento das taxas de juros. Não dando jeito, apela-se ao FMI. E é por isso que estamos onde estamos.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Sr. Lawrence Cosme Kohlberg, o vigia

Não era o objetivo inicial, mas pelos sopros dos ventos do destino, o Sr. Antônio Cosme Feijão tornou-se alvo constante de análise dos mais diversos tipos, dentro das mais diversas teorias. É objetivo agora analisá-lo sob os aspectos do desenvolvimento moral dissertados pelo norte-americano Lawrence Kohlberg. Ele divide o desenvolvimento moral em três níveis, e cada nível, em dois estágios que serão abordados um a um em seguida.

O estágio mais primitivo corresponde às atitudes praticadas com temor da punição. Seu Cosme, coitado, só vigiava por medo de ser processado. Assim como eu, pouco sabia de leis. Mas outro vizinho meu, de uma esperteza um pouco mais apurada, jurou de pé junto, mão na escritura, que se sumisse um alfinete de sua casa, entraria com um processo judicial sobre o vigilante. Se esse morador sabia de alguma lei, com certeza era da Lei de Gerson, aquela de tirar vantagem em tudo.

O outro estágio do nível pré-convencional se caracteriza pelo desejo da recompensa. Incansável, Seu Cosme, inocente e esperançoso, ficava horas a fio, rondando, rondando, sem parar de rondar. E apito anunciava sua presença a quem queria e a quem não queria sabê-la. Com isso, esperava receber um pouquinho mais que os 10 contos prometidos. Nem que fosse 10 contos e um café, ou 10 contos e um elogio para aumentar o ego naqueles dias mais cinzentos.

O estágio que abre o nível convencional está na tentativa de ser visto como o "bom moço". Nada melhor para o velhote que ser reconhecido como bom vigilante, ciente de suas atribuições e fiel cumpridor de suas obrigações. Sempre presente, cumprimentando a todos que via com seu boa noite habitual e educado.

Já o quarto estágio é voltado para a autoridade. Ele cumpre seus deveres porque assim manda a lei. E lei não se pondera, cumpre. Rígido, não aceitava um senão, ou desvio da rota que conduzia a perfeita execução da vigilância do local. Seu Cosme, o Caxias com um colete preto escrito "segurança". A espada invicta virara o mortal cassetete e o cavalo, a bicicleta caloi de barra circula e cestinha na frente. Era rosa, mas pintava de preto para melhor condizer com o exercícios de suas funções.

O nível pós-convencional inicia-se com a sapiência que as regras são falíveis, uma espécie de "contrato social". Realmente, é bom que se vigie, mas que mal tem num cigarrinho de palha sentado na praça? Nem tudo pode ser feito às riscas. Em compensação, aqueles 10 contos poderiam virar 9 com um pedaço de bolo que restara do aniversário da sogra. Nada mal. Não é necessário se prender tanto assim aos ditames contratuais. Vamos e venhamos, vigiemos numa boa.

O último nível da teoria de Lawrence encerra as virtudes excelsas de justiça. Se faz o que se tem de fazer, porque assim é o correto. O Seu Cosme vigia o bairro com seus nobre motivos de transmitir paz e tranquilidade ao bairro de Roney, de Marcelo, de Gerson. Deseja ver estampado o sorriso no rosto das crianças protegidas, da sogra bem cuidada. Quer ver os moleques brincando de carimba depois da missa, as meninas contando os sete pecados. Quer os enamorados nas calçadas, com beijos modestos, mas despreocupados com os possíveis pilantras. Quer vida e vida em abundância, num país em que a Justiça não seja iguaria de festa, mas o pão-nosso de cada dia, como já disse um brasileiro bom.

Dá-lhe, Seu Cosme, estou contigo e não abro!

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Os defeitos à luz da HD

Depois de feitas as necessárias considerações sobre o caso do vigia, gostaria de tratar o contrato dele com a vizinhança como um negócio jurídico. Tentaremos ver se o negócio é nulo, ou pelo menos anulável, em método que se assemelha ao hipotético-dedutivo nas tentativas de falseamento.

Será que era possível ao velhote realizar a proteção do quarteirão? O Código Civil invalida o negócio jurídico em caso de coisa impossível de se fazer ou em cargos impossíveis. Ora, meu bairro não é o que a imprensa chama de local de alta periculosidade. O crime no local ainda é bebê, só um pequeno magote de malandros advindos das favelas vizinhas. Apesar de tudo que já foi alegado, quero crer que no meu bairro o canela-seca daria um jeito. Partindo da possibilidade de cumprimento daquilo que estava acertado, iremos analisar os possíveis defeitos do negócio jurídico.

Houve erro? Haveria se na hora da escritura trocassem o nome do dito cujo. Em vez do nome que a mãe lhe dera, Antônio Cosme Feijão, colocassem uma gracinha do tipo Antônio Cospe-Feijão. Na hora do vamos ver, o velho alegaria que não era ele, Seu Cosme, o responsável pela segurança da área. “Que nada, moço, só estou passando por aqui, quem vigia a área é um tal de Cospe-Feijão”. Se, não obstante sua negação, o idoso pudesse ser identificado pelo contexto e pelas circunstâncias como o vigilante, cairia no artigo 142 do Código já citado. Também poderia vir da outra parte: não era 600 que constava, mas 009 reais. O escrivão lendo ao contrário confundiu a cabeça, algo do tipo, colocou ao contrário. Ao fim do mês, sem dúvidas, o “nosso herói” ia dizer o que citei em outro texto – “quero meus 600”. Isso só não prejudicaria a validade do negócio jurídico caso os moradores se oferecem para executar o pagamento na conformidade da vontade real do manifestante, conforme o artigo 144. Como nada disso ocorreu, não houve erro.

Houve dolo? Caso Seu Cosme houvesse omitido a ausência não só do canela-seca, mas também do mortal cassetete; e como se não bastasse, omitido também a deficiência visual não corrigida por óculos e a dificuldade de locomoção por causa da idade – haveria. A vizinhança também poderia, por sua vez, omitir do vigia a fama do bairro: dominado pelo tráfico com meliantes armados até as gengivas. Assinando o contrato, ele assinava a própria certidão de óbito e não sabia. Pior seria se ambas as coisas ocorressem, daí o coitado não poderia nem alegar o dolo para anular o negócio em poucos dias seria notícia de jornal. Já falei do canela-seca e da infância criminal do lugar, concluindo que não houve dolo.

E coação? O vigilante não seria doido de amostrar o 38 de casa em casa exigindo que a vizinhança pagasse os 10 contos, cada casa. E será que Marcelo deixaria a sogra morrer pra resguardar a própria vida? Lembremos que a senhora é parenta de primeiro grau por afinidade do meu vizinho, parentesco esse que não se extingue nem com a dissolução do casamento. Se os moradores jurassem a Seu Cosme que, se ele não fizesse a segurança, colocariam-no na Justiça, nem seria, pois não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito. Sabemos – não houve.

E será que foi num estado de perigo? Seria se a vizinhança assustada pelas mortes que estavam ocorrendo cada vez mais freqüente – Marcelo ainda em luto pela inesperada morte da filha antes mesmo da esperada morte da sogra – aceitasse o triplo do preço, 1800 reais no bolso do velhote metido a leão de chácara. Uma fortuna. Ou então o pobre-diabo, com a filha doente, desempregado, aceitasse a bagatela dos 9 reais, dessa vez sem erro do escrivão. Ou até um pouco mais, porém que não lhe desse condições de sobrevivência. De fato, não foi.

Ocorreu lesão? Ocorreria nos casos dos 1800 e dos 9, mas não por causas das filhas, mas sim por inexperiência. O vigia nunca havia vigiado, nem sabia quanto cobrar, aceitou a merreca. Ou bairro nunca tinha pagado vigia, o que de fato era verdade, mas como o bolso é a parte mais sensível do corpo humano, não meteriam quase dois mil no do velho assim tão facilmente.

E fraude contra credores? A Constituição só prevê punição para dívidas no caso de obrigação alimentícia ou do depositário infiel. Eu não queria colocar Antônio Cosme Feijão como credor quirografário nem o maldito Marcelo como um devedor insolvente para não complicar, mas se este não pagasse a dívida e começasse a passar os bens para o nome da sogra para continuar sem pagar, possivelmente o defeito aconteceria. Mas não aconteceu.

Após essa longa e chata análise, concluo que não é anulável, mas afirmo isso sem muita certeza pela impossibilidade de se olhar o fato por todos os ângulos. E, para caracterizar a hipotética dedução, deixo em aberto o tema para que possa ser aprofundado em pesquisas futuras.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Considerações sobre o velho vigilante

Quando o Estado não cumpre a função de segurança, a sociedade busca outros meios. No caso do bairro do Roney, a vizinhança achou por bem contratar um velhote metido a leão de chácara. No emaranhado das leis, isso pode dar merda.

Algumas complicações:

- Exercício ilegal de profissão. Para exercer esse trabalho, Seu Cosme deveria ser funcionário de uma empresa de segurança privada idônea.

- Porte ilegal de armas. Sendo um velho, Seu Cosme não podia contar só com a sua perspicácia e com a sua força física descomunal combinada a um mortal cassetete. No mínimo, devia andar com um 38 canela-seca na cintura. E deduz-se que ele não tinha permissão legal pra usar um trabuco desses.

- Usurpação de função pública. Se visse algum suspeito, com que legitimidade o nosso herói poderia abordá-lo?

- Perturbação do sossego alheio. Aquele apito chato ecoando na noite silente acorda qualquer um. Sem mais.

- Criação de vínculo empregatício entre Seu Cosme e a vizinhança.

- Se Seu Cosme morresse ou levasse um balaço durante o serviço, os contratantes poderiam ser “enquadrados” por responsabilidade solidária concorrente e ainda poderiam pagar os encargos trabalhistas, como INSS, FGTS, PIS etc.

O pior de tudo é a sensação ilusória de segurança. O que pode fazer um velho decrépito diante de um robusto meliante armado? Sem preparo, só pode morrer.

Mas, e aí? Se o Estado não faz, fazer o quê? Antes de dormir, rezar pedindo o tranqüilo sono dos justos? Antes deixar uma isca aos pilantras, resolveu a vizinhança.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Free Rider na mão invisível


O economista escocês Adam Smith acreditava que se todos agissem de forma egoísta, as pessoas chegariam ao máximo de bem-estar. Criou assim a teoria da "mão invisível", dizendo que se todos procurassem alcançar seus lucros máximos, movidos pelo interesse próprio, produziriam sem querer o melhor para a sociedade, como se fossem guiados pela tal da mão. Sinto informar, mas essa teoria e algumas outras de não-intervenção do estado na economia, inclusive as anarquistas, bateram de frente com o "free rider problem".
No início da década de 90, quando cheguei ao bairro que resido atualmente em Fortaleza, chegaram também o furto e a violência. Não os trouxe, juro, mas vieram. Por causa disso, o pessoal do quarteirão resolveu contratar um vigia para prover a segurança mínimas às casas no período noturno. 60 casas, cada uma pagaria 10 reais, 600 reais, bom dinheiro, dava para um cidadão viver dignamente. E acertou esse valor com Seu Cosme, já senhor maduro tendo por hábito o fumo de cigarros que ele mesmo fabricava. O cheiro dos tais já o identificavam. De início, tudo bem, mas sempre há um esperto.
Meu vizinho Marcelo resolveu parar de pagar. Alegou doença da sogra, despesas a mais com uma das dependentes que declarara no último Imposto de Renda, estava apertado, duro, liso. Sem erotismo, por favor. Mas o fato é que Seu Cosme continuou exigindo os 600 e para não descontentar o cabra velho, cada um tinha que pagar agora o valor de 10 reais e 17 centavos. Nem me importei de início, dava até 50 centavos a mais do que antes. Mas o que aconteceria se Seu Cosme visse um malandro adentrar a casa do Marcelo para roubar? Decerto a omissão como forma de vingança, ou simplesmente de justiça, poderia ser vista pela Justiça no artigo 186 do Código Civil como ato ilícito. Teria de exercer sua função profissional, mesmo sem receber nenhum centavo do roubado.
O pior de tudo é que foram percebendo isso, ou melhor, fomos. Houve uma epidemia no quarteirão. As sogras começaram a adoecer, os salários reais foram diminuindo por causa da inflação, os meninos novos começaram a entrar nas escolas particulares, e os gastos estavam cada vez maiores, consoantes afirmavam os moradores, impossibilitando o pagamentos da mensalidade para o vigia. Assim, eu fui pagando cada vez mais por mês, até ficar numa situação insustentável, porque não poderia dar sozinho 6oo reais para o vigia.
Isso é o "free rider problem". Porque eu pagaria por um benefício se posso pegar carona no benefício que o outro já paga? Se ninguém pode me excluir por inadimplência do usufruto de determinado bem, melhor ficar sem pagar que gasto o dinheiro no shopping mais tarde. Porém, visto que há muitos espertos para poucos otários, acaba que ninguém paga nada, e ninguém recebe nada também.
Esse fato também justifica a existência dos bens públicos, regulamentos nos artigos 98 e 99 do Código já citado. Já pensou se privatizassem as Forças Armadas? Você pagaria por elas, mesmo sabendo que as fronteiras do seu país estariam a salvo, já que alguém do país paga e tem direito a isso? Eu pagaria, mas somente se não houvesse conhecido Marcelo. Hoje em dia, não pagaria mais não. E se todas a costa brasileira fosse privatizada? Você pagaria, mesmo sabendo que qualquer uma poderia tomar banho de mar, pagando ou não?
O problema é este: se todos podem fazer, ninguém faz, porque pensam que outro poderia fazer no seu lugar. É o que ocorre no Brasil com os assuntos de maior relevância. A assembléia constituinte de 1988 colocou como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no seu artigo 23, as principais preocupações nacionais: democracia, saúde, cultura, arte, educação, ciência, meio ambiente, fauna, flora, alimento, moradia. Mas como todos podem fazer, ninguém faz, deixa como está.
"Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio 'auto-interesse'", afirmou Smith. "Minha sogra tá doente, tem como pagar não", disse Marcelo. "Quero meus 600!", exigiu Seu Cosme. "Não posso pagar tudo sozinho", falei eu. E assim o Free Rider deu um aperto na mão invisível, e sairam por aí contando sobre a realidade que acontece hoje no Brasil, como já dizia Gil Vicente no seu personagem Belzebu:

Para que sirva de aviso,
mais uma transa se escreve:
Todo Mundo quer Paraíso
e Ninguém paga o que deve