segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Vale o Esforço de Jogar Aberto

Não é do meu gosto ausentar o Seu Cosme dessa história, que já está mais falado que filme do BOPE. Fa-lo-ei tendo em vista que a situação do país me obriga a expor alguns pensamentos. Vou até tentar me furtar dos enquadramentos jurídicos da questão que deixo para os mais especializados no assunto. Não é crítica ferrenha ao governo atual. Mesmo porque não me pretendo fazer de Diogo Mainardi, Lauro Jardim ou qualquer outro colunista daquele folhetim publicitário do PSDB já conhecido de todos, que alguns chamam de revista. E outros assinam. É somente uma exposição dos fatos.

Quem já foi pegar a merenda na cozinha e passou perto do pai assistindo o jornal já ouviu falar de superávit primário. O inocente com algumas noções econômicas logo deduz que o Brasil está recebendo mais do que gastando, uma boa para o país. Afirmo: meia verdade. E meia com chulé. Analisemos nosso famoso superávit, que o carinha da merenda com acerto já sabia – são matematicamente receitas menos despesas.
Estas podem ser divididas em dois tipos: as correntes e as de capital. As de capital são os investimentos do governo, nela incluímos a construção de hidroelétricas, de hospitais, de escolas. Investimentos esses, a princípio, previsto no Plano Pluri-anual, que o garoto ouviu na TV também quando voltou para pegar a coca-cola que tinha esquecido na geladeira. Esse Plano devia ser bem mais explorado, porque nele o governo mostra a que veio, no que pretende investir nos próximos quatro anos, mas pouquíssimos tomam conhecimento dele. Além desse tipo, temos as despesas correntes. Essas são as que fazem a roda girar, o sistema público funcionar: o dinheiro para pagar os funcionários, para comprar a caneta dos deputados, para arcar com os juros da dívida externa. Por favor, lembrem-se desses juros, voltaremos a eles ainda. A realidade das despesas brasileiras amostra que, infelizmente, as correntes são superiores às de capital. Gastamos mais para manter a máquina em movimento do que para educar nossas crianças, dar saúde à nossa população, gerar empregos nas construções governamentais. A Lei de Responsabilidade Fiscal (impossível fugir do Direito!) já aborda até mesmo a possibilidade de exclusão dos funcionários públicos caso a folha de pagamentos da União, dos Estados ou dos Municípios esteja excedendo determinada porcentagem do total de despesas de tais esferas. Não estamos tão bem.

Mesmo assim é notícia: Brasil atinge as metas de superávit primário. E se o atinge, é à custa de quê? Digo: recordes sucessivos de arrecadação tributária. Não é novidade para mais ninguém que os tributos no Brasil estão entre os maiores do mundo. Há três formas de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Certa vez, ouvi de um vizinho que me dava carona até a praça: “Pago meu IPVA direitinho para ter que dirigir nessa merda de rua. Toda esburacada”. Falou merda, nos dois sentidos. Realmente, como cidadão, ele teria seus direitos de melhores estradas, mas não se pode relacionar isso ao pagamento de um imposto. O imposto não está vinculado a nenhuma vantagem a quem paga. Ele vai para os cofres públicos que fazem dele o que bem entenderem. Não há problemas em pegar o IPVA para construir um hospital. As taxas, sim, têm alguma relação com os benefícios de quem paga. Quem paga taxa da coleta de lixo tem o direito de ver os garis recolhendo alegremente o que colocam nas lixeiras em frente às residências, com cheirume e tudo. No meu bairro, nós pagamos a tal taxa. Teve um, Marcelo, que não quis pagar. Alegara que não punha lixo pra fora de casa, enterrava-o no quintal, ou outras alegações que não recordo. Sei que não conseguiu o que queria: continua pagando. Isso porque a taxa incide sobre quem usa e também sobre quem pode usar. Outro vizinho chorava suas mágoas: “Pago meu IPTU direitinho para ter minha rua asfaltada, a iluminação pública perfeita, ver as praças arborizadas, mas olha só: nosso bairro está uma merda”. Leitor atento já sabe que falou merda, e nos dois sentidos também. O que pode desconhecer, porém, é que se a Prefeitura executasse as obras exigidas pelo chorão, aumentando o valor do seu imóvel, poderia ser tributado com a chamada Contribuição de Melhoria. Já que suas posses subiram de preço devido às obras públicas, nada melhor que retribuir aos cofres da cidade com uma contribuição sobre a valorização obtida.

Nossa recordista arrecadação tributária é fortemente calcada nos impostos indiretos, aqueles que incidem sobre os produtos. O imposto direto, como o Imposto de Renda, tem uma característica chamada progressividade – quanto mais ganha o sujeito, uma maior porcentagem do seu salário é despendida em tributos. Esse fato não ocorre com os indiretos, como o ICMS. O carinha que esquecera a coca-cola tinha pagado, sem se atentar para isso, 10 centavos de ICMS, ou seja, 1% da sua mesada. Agora o deputado que toma sua coca-cola numa praia do Nordeste também paga os mesmo 10 centavos, ou seja, 0,0000000001% do seu mensalão. É o que chamamos de imposto regressivo. Esse tipo de imposto, que predomina no sistema tributário brasileiro, atrapalha em muito a distribuição de renda.

Apesar disso, isso não é tudo. Vamos à realidade. Na continha de subtração que resulta no superávit primário não entram os juros da dívida pública que pedi educadamente para que lembrassem. Alcançam-se esses índices para justamente poderem pagar o que devem. Quando incluímos esse pequeno detalhe, acabamos no que é denominado déficit nominal. O país, na verdade, gasta mais do que arrecada, o que normalmente acarretaria num maior endividamento do país. Para solucionar esse problema, pode-se apelar para a emissão de papel-moeda ou aumento das taxas de juros. Não dando jeito, apela-se ao FMI. E é por isso que estamos onde estamos.

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