sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

De repente. Não mais que de repente.

Não se esperava. Veio como uma torrente avassaladora.
O acidente. A notícia. Tudo de mais aterrador e qualificador que se pode existir para deixar uma morte o mais trágica possível. O modo, a circunstância, o dia. É inexprímivel a dor e o consolo. Na verdade, este não existe.

A família CMF, quem já passou por essa instituição sabe o que isso significa, perdeu um dos seus grandes ícones, o sub Tietre. Muitos anos monitor, amigo. Fez por muito de nós , quando viabilizou passeios, viagens, experiências incríveis às quais muitos alunos do "militar" jamais teriam acesso caso a mão confiável e cuidadosa desse amigo não estivesse presente e atuante. Puniu quando devia, não se eximiu de suas responsabilidades como cidadão e militar.

Para quem sofre com a falta, resta agarrar-se a uma crença indispensável para todos: de que a morte não é o fim. A morte é só mais uma etapa. Devemos crer que nasceremos e morreremos. Renasceremos em diversas vidas para corrigir nossos defeitos.

Não há culpados nem responsáveis. Ninguém merece tal fardo. Ele foi porque devia ir, como se diz " chegou a hora". A vida é um eterno aprendizado, é um sopro, é uma viagem de trem. Escutamos sempre essas metáforas. Mas são nesses "lugares-comuns" que encontramos a definição e o suporte para prosseguir.São eles a expressão lapidada do turbilhão de pensamentos e recordações que explodem em momentos desesperadores. Pense em quem se foi.Pense nos seus amigos e familiares. Pense em você. Chore, muito. Não perda a glória de chorar. Não esqueça nem remoa o passado. Reflita, elabore, compreenda. Reestabeleça-se. A vida não acabou. Você deparou-se somente com um dos lados dela, a partida. Meus pêsames, Chá.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A mulher que roubava picolés.

Bolsa de grife francesa. Óculos Dolche Gabbana. Filho branco e gordo. Era uma "madame", o estereótipo de uma, a não ser por um simples detalhe: roubava, e posso te garantir que não é por cleptomania.

Posicionei-me atrás da bandida na fila da Pague Menos, para ela, Pague Nada. O filho gordo, por ironia do destino, Lucas, comia vorazmente um Frutare de Limão. Enquanto eu arguardava pacientemente na fila, atenciosamente mirava o funcionário do caixa que selava um ziplock com um bolo de notas de 50 e 100 reais para em seguida depositar no cofre, o qual encontrava-se fixado ao solo com concreto. Imaginei como seria hilariante um ladrão tentando arrastá-lo.

A falsa loira perguntou ao gordo Lucas onde estava o papel do picolé, mas ele havia jogado no lixo. O gordo Lucas, não por ser gordo, pediu outro picolé, apesar de seu pedido ter sido negado, como glutão que era , já estava com o picolé na boca antes de ouvir a resposta. A mãe curvou-se, ficando da altura dele, e cochichou:" - Livre-se do palito do picolé passado". Lucas, seria cômico se não fosse trágico, engoliu o palito de madeira. Eu vi. O caixa não viu. Ela pagou um picolé somente e saiu. Segui-a. Ela olhou para trás, estava roubando, afinal. Entrou no seu Crossfox vermelho um pouco atabalhoadamente. Senti vontade de "lembrá-la" de pagar o picolé, mas não deu. Irritei-me. A ladra sabia que eu sabia. Irritei-me mais, pois se fosse um favelado, talvez eu tivesse denunciado na hora, daria o flagrante. Senti-me um fracasso. Estou de ressaca e envergonhado. Fucking bitch!

PS: Se fosse alguém pobre eu diria Puta fudida!

domingo, 16 de dezembro de 2007

Cartas ao Vereador.

Já faz um bom tempo que enviei esse e-mail para o vereador Márcio Lopes, denunciando o que classifico como CLIENTELISMO aqui em Fortaleza. Deparei-me com essa situação, pois minha mãe estudou arduamente em diversos cursos para fazer parte de programas de psicologia social, com a esperança de que houvessem concursos. Não ocorreram, mas psicólogos, assistentes sociais, médicos estão trabalhando. Como? Pesquisei e descobri. Tentei até arranjar um pistolão para ela(não me condene, é o sonho da minha mãe trabalhar com a população) , mas não deu ( a culpa não é dos empregados e sim da prefeitura, que fique claro!). Depois de refletir, cheguei à conclusão de que deveria parar de ir atrás e tentar ir contra à corrente, bater de frente, tentar transformar as coisas, mesmo que seja da única e pouco eficiente maneira de que disponho, avisando a um político.

Excelentíssimo Vereador,

Estou prestando meu serviço como cidadão de Fortaleza quando trago a V.Exª a informação de que estão sendo utilizados os CRAS e CAPS como instrumento de cabide de empregos. Tratam-se de projetos de assistência social e saúde, tendo o CRAS um vículo entre o Governo Federal e a Prefeitura. Absurdamente, costuma-se julgar como normal a indicação política para ocupar cargos que deveriam ser preenchidos por meio de concurso público, porém utilizam-se a desculpa da burocracia e da necessidade imediata para criar a famosa "prestação de serviço" , que é efetuada somente pelos que tem um "pistolão"(político que indica). Revolto-me , pois conheço mais de um caso referente a esse problema, uns 8 casos , além de depoimentos que dilaceram o respeito que possamos ter em relação à classe política.
Peço que essa mamata e desrespeito a todos os princípios constitucionais sejam expostos na Câmara dos Vereadores, isso é um abuso , uma falta de ética. O mercado está difícil e qualquer oportunidade de emprego deve ser preenchida por pessoas competentes e dedicadas, não por indicados frutos do clientelismo e da má fé , os quais não terão independência e correção ao agir. O PT sempre defendeu os concursos e deplorou o nepotismo, mas , na figura de Luizianne e de seus vereadores, parece continuar agindo da mesma forma que escrachavam. Os principais vereadores do PT estão indicando pessoas para ocupar cargos nos diversos CRAS que serão abertos, tanto na praia do futuro como em outros bairros. Dos outros partidos não tenho como garantir, pois só ouvir indicações de partidos da base aliada.

Lucas.

Caro Lucas,
Fico ciente do fato relatado, mais gostaria de que informasse as localidades
para melhor identificação dos casos concretos. Desde já agradeço pela
contribuição no nosso mandato e espero mais informações,
Atenciosamente,
Márcio Lopes

Excelentíssimo Vereador,

Não especificarei o nome dos profissionais, no entanto garanto-lhe que se V.Exª se dispuser a visitar qualquer CRAS, CAPS ou sede do Programa Porta de Entrada ( também da prefeitura), caso encontre alguém trabalhando, atestará os casos concretos os quais pretende analisar. Pessoalmente, não creio que sejam casos concretos, creio que seja uma "política pública" desta administração, a política clientelista. Os seguintes fatos podem ser constatados: há pessoas "trabalhando" há um longo tempo e outro é que não houveram concursos. A uma delas perguntei: "Mas como você entrou no programa?" e recebi uma resposta impressionante: " Apresentei meu curriculum ao vereador ... , o qual me indicou. Não tem como entrar sem um empurrãozinho, sabe?" eheeh!"...Não achei nenhuma graça. Além da freqüência da prática, procrastina-se indefinidamente os concursos e as contratações são feitas na surdina e irregularmente, já que não se indicam geralmente os mais especializados e sim os com maior lobby. Clamo por alguma providência urgente a V.Exª , pois neste mês e nos seguintes , inaugurar-se-ão 15 CRAS novos ( se não me engano) e o material humano já parece estar selecionado: centenas de "companheiros".

Respeitosamente,
Lucas.

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Se algum dia chegar uma resposta, coloco aqui.
FIZ QUESTÃO de não corrigir os erros gramaticais.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Derrota de quem, mah?

Sou viciado em política stricto sensu desde novinho. Fã de carteirinha da Heloísa Helena desde a época de PT. Tenho fita com suas explosões no Senado que eu assistia ao vivo. Fui até no aeroporto no dia que ela veio pra Fortaleza, como uma menininha vai ver Bruno&Marrone ou a Sandy. Apesar disso, não sou um dos que mais entende das coisas.

Mesmo assim vou me atrever a tocar em alguns temas que não conseguem entrar na minha cabeça. A principal delas é negociação interpartidária. No ínicio do segundo mandato de Lula, houve uma "reforma ministerial". O que mais me recordo era o PMDB exigindo Ministérios para continuar uma coligação com o Governo. Ou seja, aprovar as emendas, as medidas provisórias, etc. e outras coisas que vinhessem dos que estão na situação. Mas, sinceramente, eles devem analisar e aprovar aquilo que é bom para o povo brasileiro, ou simplesmente votar de acordo com quem propôs a mudança? Não tem de ter negociação nenhuma. Cada um vota naquilo que acha correto, independente de ter um, dois ou doze ministérios sob sua administração. Pelo menos, creio que assim que as coisas deveriam se desenvolver.

Outra negociação ridícula foi mais recente. Queriam trocar a absolvição de Renan pela aprovação do CPMF. "Carajo!", que indecência! E isso na cara de todo mundo, sem discrição da puta velha que já não leva mais a bolsa para não ser tão facilmente cortejada. Infelizmente pra alguns e felizmente pra outras, a CPMF foi derrotada no Senado. Com votos abertos diferentemente do caso Renan. Eu, que sou cearense, sei que o Inácio e a Patrícia foram a favor da CPMF e o galeginho foi contra. Apesar da maioria do Senado ser a favor, são necessários pela Constituição de 1988 três quintos para a aprovação de uma Emenda Constitucional como no caso.

Ontem o assunto foi debatido na Assembléia Legislativa do Ceará e o Prof. Artur Bruno falou tudo que estava enganchado na garganta. Chorou a derrota. Disse que o motivo era para reduzir as arrecadações de um governo que se mostrava com altos índices de crescimento, pura picuinha política, que foi a derrota da saúde pública. Hoje já se vêem notícias de criação de outros impostos para suprir o rombo deixado pela CPMF. Deixa criar, deixa criar... Deixa os meninos criarem, tão na época da cabeça fértil.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Bulívia, Evo y otras cositas más

Mui recentemente foi visitar nosso país vizinho - Bolívia, ou Bulívia, como se diz em Corumbá. E já adianto: que experiência fantástica! Tinha uma grande vontade de comprar um jornal de lá e expôs nesse blog tudo "que se pasa" naquela república. Não deu. Me disseram que o clima político estava esquentando, 5 das 9 províncias estavam prestes a proclamar suas autonomias. A data prevista era 15 de Dezembro, e segundo meus planos, eu estaria cruzando a fronteira para o Peru, às margens do Lago Titicaca. Disseram também que o presidente tem mania de fechar as fronteiras, aí fica que nem naquela histórinha inventada pelo filho do Érico Veríssimo: "ninguém sai". Esse dia se aproxima e eu, graças a Deus e a alguns probleminhas com documentação, já voltei para a casa de papai e de mamãe, onde estou bem mais protegido.

A primeira vez que cruzei a fronteira de carro, já veio correndo um "chico" gritando: "Gasolina, gasolina". E não tem como recusar: no Brasil, o litro custa dois reais e oitenta centavos; na Bolívia, "un y ochenta". Lá eles aceitam Real, Boliviano, Dólar, tudo. Trouxe até uns 11 pesos bolivianos pra casa de lembrança, não coleciono. Em Corumbá, a cidade fronteiriça, capital do Pantanal, tomei umas cervejinhas com uns bolivianos que comemoram a conclusão do que no Brasil chamamos de Ensino Médio. Me explicaram que Evo quer colocar uma nova constituição no país sem o apoio da oposição. Eles eram de Santa Cruz de La Sierra, cidade que eu pretendia conhecer e capital de umas das províncias que quer autonomia. Conversei muito com as bolivianas, pedi para "tutear" com elas e ainda falei que faziam o "voseo", que foi muito difícil pra elas entenderem, confudiram com "boxeo" e com "buceo", mas vocês também devem estar confusos com essas histórias de gramática espanhola e só entendeu alguma coisa quem já estudou espanhol. Dancei um forrózinho com elas e gritei cantando "É disso que o velho gosta" com um sotaque bem gaucho.

Os bolivianos são um povo que admirei muito. Comprei até camisa da Seleção. E digo mais: por 200 reais, comprei um MP4 1GB, um Red Label, um Black Label e um perfume Ferrari. Tomei a cervejas deles: muito boa, recomendo a todos "La Paseña" e ainda trouxe duas pra casa pro meu pai experimentar. Isso tudo em Puerto Quijarro, que as coisas são caras, dizem que é melhor em Puerto Suarez. Já Corumbá de dia é dos bolivianos, mas de noite, é dominada por drogas e prostituição. Muito coroa paulista pagando 200 conto por putinha de esquina, e nas outras esquinas o pessoal fumando tal da "base", como eles chamam o crack, ou em pipa ou em cachimbo, ou até "pitile", quando é em papel.

Tudo isso, tendo como fundo o belo alagado da planície brasileira, o pantanal sul-matogrossense e as águas do Rio Paraguay. Digo que, terminada essas confusões políticas, e agora vacinado nos dois sentidos, em 2008 essa viagem se concretiza, e quem quiser vir, já vai arrumando as malas... êta Macchu Picchu véio ruim de achar, meu Deus!

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Ciclo de fins

Século XXI. Todos os clichês pós-modernosos convergem para uma era caótica, em que o dragão da esquerdalha histérica, o capetalismo vil e selvagem, nos torra a todos, monstro impiedoso. Ao que parece, andamos numa pontezinha balouçante sobre o abismo de fogo que é a Terra superaquecida pelo aquecimento global. Um vento fantasmagórico nos sopra aos ouvidos palavras de desalento. E um bando de purpurinados faz questão de agitar ainda mais as cordas rotas da velha ponte, reclamando vez e voz.

É a perfeita fábrica de malucos. Aí buscam em livros de auto-ajuda (!) o mapa do sucesso profissional, o manual do casamento perene, a fórmula alquímica para transformar lágrima em ouro. Os mais sabidos conseguem construir um sólido castelo de areia, sem saber que já se forma ao longe a tsunami da realidade. Fiéis lotam templos, universais na marotice dos donos. Uns porejam sofrimento sobre o divã de um doutor que consegue ser ainda mais desequilibrado. Outros, em arroubos de iconoclastia, pulverizam palavras ásperas em crônicas ordinárias, no vão objetivo de causar um impacto qualquer.



Contudo, o otimismo anuncia heróis. Certo dia, não mais que de repente, bate no jovem universitário o espírito aventureiro. “Mamãe, não me espere pra janta: fui mudar o mundo!”, diz o bilhete pregado na geladeira apinhada de todinho do famigerado sistema. Munido de um arsenal de velharias acadêmicas, marxismos empoeirados e um carro do ano, sai por aí ocupando reitorias. Outrora os heróis eram cavaleiros e santos; hoje podem ser estudantes ou presidentes. Não que tenha piorado... nem que tenha melhorado.



Então, para que não pensem que tudo é uma grandessíssima bola de neve rumo a um abismo incandescente, ao fim e ao cabo, resta um consolo: tirando a média, noves fora, tudo permanece igual. Afinal, através da Idealização da humanidade futura, um Augusto dos Anjos transmite a beleza da desgraça (ou a desgraça da beleza):

Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
- Homens que a herança de ímpetos impuros
Tomara etnicamente irracionais!

Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos
Realizavam-se os partos mais obscuros
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Sistema Sucks.


Não quero trazer uma mensagem triste a você, caro leitor, mas um dia todos cedem ao Sistema.
O Sistema é um ente impessoal, desorganizado, insensível e dominador. Quem não foi bloqueado pelo Sistema? Quem não foi desautorizado por ele? Quem não teme o Sistema? Quem não odeia o Sistema?
O Sistema é "bifacético" , porém, essencialmente, é o mesmo. O Sistema pode configurar-se como a justificativa para os despautérios cometidos pelas grandes empresas e pode metamoforsear-se em justificativa para a inércia dos servidores públicos. O Sistema se vale da tecnologia, da burocracia e da sua paciência para dominar-lhe. É irritante, constrangedor e mostra-se onipotente e inquestionável.
É difícil enfrentar o Sistema, não é justo cobrar isso de alguém. Quando se lhe enfrenta, ou se sai com uma derrota realmente desastrosa ou com uma vitória carregada de responsabilidades; sabendo-se que o primeiro caso prevalece nas poucas tentativas de derrubá-lo ou modificá-lo, não se ousa tanto enfrentá-lo.
O Sistema do "serviço público" aglutina funcionários indicados pelo recurso do nepotismo e do clientelismo, frustra-se por causa desse pesado fardo e desconta no cidadão comum , que é obrigado a ver , por exemplo, uma lista de aproximadamente 30 psicólogos no flanelógrafo da área de saúde da Assembléia Legislativa do Ceará e constatar que naquele exíguo local não há espaço nem pra dois.
O Sistema do Serviço Privado acoberta os responsáveis por eventuais ações devastadoras tomadas pelas empresas privadas. Coloca no fronte as "telemarketings" , verdadeiros soldados que buscam atingir metas impossíveis, como lhe convencer de que a Oi se importa com você e que o SAC atende o consumidor.
Creio que o Sistema surgiu com as Pessoas Jurídicas. Como o Estado e as Empresas assumem essa forma de organização, o Sistema os acoberta de eventuais responsabilidades. Não me venha com balelas de responsabilidade objetiva, esta nunca pune o verdadeiro responsável.
Finalizo com o depoimento de um recém-aglutinado pelo Sistema: " Tu entra no teu trabalho doido pra fazer tudo direitinho, de acordo com as normas de segurança e com a teoria...mas não dá, não há interesse em melhorar, porque esta esperança há muito desvaneceu da mente de quem foi incorporado na onda do Sistema. Eu estou sendo incorporado, não creio que haja volta tampouco melhora."

Sistema Sucks.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

OS FLANELINHAS SÃO NEOLIBERAIS


Eles realmente são, acredite. O Tasso Jereissati é flanelinha. O Zé é neoliberal. Os dois nos extorquem, apropriam-se do bem público e guardam nossos carros, são VIGILANTES. Fartura, fatura, mas ...quanto, por quanto e até quando? Palpito que até a morte, a nossa.
Os flanelinhas deterioram nossos carros(ou nossas vidas) se não dermos a gorjeta. Os Tassos nos prendem em cárceres privados, os shoppings. Os flanelinhas usam paus, pedras, facas e eventualmente escopetas e metralhadoras. Os "tassos" possuem máquinas, policiais, seguranças , o BOPE. Além do culto a Friedman, o que os dois têm em comum e com quem os dois contam? Os dois fazem parte de corporações (sentido lato), os flanelinhas da AVV ( Associação de Vigilantes de Veículos) e os "tassos" da FECOMERCIO e da FIEC. Os dois vão de encontro à lei, aos direitos fundamentais, à civilização justamente organizada. Os dois contam com o Estado, o flanelão maior. E o pior dessa pocilga toda é que sabemos de tudo. E o elemento mais trágico, é que não fazemos nada.
O fundamentalismo de mercado apregoa que somente o que se cerca adquire valor. Como bons seguidores da religião, os flanelinhas delimitam espaços na rua, fazem dinheiro e não pagam impostos. São trabalhadores informais e sofrem todas as conseqüências decorrentes disso. Os tassos , como fanáticos homens-bombas do lucro desenfreado e irresponsável, delimitam espaços na cidade, de preferência os ambientalmente protegidos, e sonegam impostos. São considerados empresários e adivinha?...desfrutam de todas as conseqüências advindas disso.
O Zé não se importa em ser neoliberal. O Tasso não se importa em ser flanelinha. O Zé fatura 10000 por ano na Beira-mar. O Tasso 10000 por hora guardando carros no Cocó. O Estado execrável e conivente fatura 15,6 milhões por ano em toda a cidade.
Locupletar-se de dinheiro às custas dos mais fracos, dos impotentes, é a marca do estado,do empresário e do flanelinha neoliberal. Uma rede impudica que trabalha na surdina harmonicamente, sendo negligente, corrompendo e extorquindo. Cada uma com sua função, é a Indústria da inVigilância Compulsória Ilimitada . A indústria que não produz, só arrecada.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Falei, e confirmaram...

Essa sim, é verídica.

Quarta-feira, nada pra fazer, uma amiga na cidade. Há quase três anos saí de casa pra morar no Sudeste. Sou cearense como todos sabem, e é sempre bom ver por aqui coisas que nos lembrem nossa terra natal, principalmente amigos. Quer dizer, principalmente amigas. Saí de casa acompanhado por um mineiro, um Palio Weekend e um funkzão nas alturas. Liguei, peguei o endereço e fui para o hotel onde estava a menina.

Belo hotel, confesso, muito bom o atendimento, especialmente no que tange ao "Sr. Pedro". Está aí, gostei. Na espera pela moça, me abstive do Red Label e do cafezinho, que "a mi me gustan", e resolvi me inteirar do que acontecia pela mundo. Ando muito alheio às coisas, entrando nos livros antigos, revendo conceitos, fazendo avaliações. Tomei de O Globo e fui às notícias.

Tinha falado sobre isso, mas não acreditava que a situação atual estivesse tão gritante: a arredacação extra do governo foi superior ao valor total recebido pela CPMF. Em número, 35,7 bilhões de arrecadação não esperada (fazem-me rir!) e um pouco menos de 30 bilhões de CPMF. Os motivos para isso já foram, pelo menos parcialmente, expostos anteriormente. E de tudo isso, somente 5 bilhões foram liberados para o orçamento.


A Receita Federal abriu o jogo: só em outubro, a arrecadação brasileira foi de quase 55 bilhões. 12% a mais que outubro de 2006, valor recorde para o mês. Falei? Falei, e confirmaram. Recordes e mais recordes de arrecadação tributária. Realmente vale o esforço de jogar aberto e colocar a nu toda a realidade que atinge diretamente nossas vidas.


Sabem o que significa a tal da CPMF? Contribuição Provisória por Movimentação Financeira de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira. Ela foi instituída em nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional número 12 de 1996 e sua cobrança passou a vigorar pela Lei 9331 do mesmo ano, por treze meses. Foi prorrogada e reprorrogada e novamente prorrogada, ou, como preferem alguns, reinstituída, pois não se pode prorrogar algo que não está em vigor.


Essa discussão sobre CPMF já está estampada nos jornais. O que não está lá é meu extrato bancário. Sempre que vou ao caixa eletrônico para ver como estão as contas, exclamo aos céus, em voz baixa porque sou discreto: Meu Deus! Eu, um pobre-diabo, "jovem que desce do norte pra cidade grande", tentando ganhar a vida com muito esforço, de pouquíssima capacidade contribuitiva, estou sendo massacrado. É de R$ 2,56 aqui, R$3,41 ali, que a galinha enche o papo.


E é de bom alvitre que se dê logo um jeito nisso tudo. É similar ao caso da garotinha que não tem carteira de estudante por incompetência dos entes públicos e está pagando inteira todo dia para ir e para voltar: mexeu com dinheiro, meu amigo, brincou pesado. Todos sabem e eu confirmo - a parte mais sensível do corpo humano é o bolso.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Vale o Esforço de Jogar Aberto

Não é do meu gosto ausentar o Seu Cosme dessa história, que já está mais falado que filme do BOPE. Fa-lo-ei tendo em vista que a situação do país me obriga a expor alguns pensamentos. Vou até tentar me furtar dos enquadramentos jurídicos da questão que deixo para os mais especializados no assunto. Não é crítica ferrenha ao governo atual. Mesmo porque não me pretendo fazer de Diogo Mainardi, Lauro Jardim ou qualquer outro colunista daquele folhetim publicitário do PSDB já conhecido de todos, que alguns chamam de revista. E outros assinam. É somente uma exposição dos fatos.

Quem já foi pegar a merenda na cozinha e passou perto do pai assistindo o jornal já ouviu falar de superávit primário. O inocente com algumas noções econômicas logo deduz que o Brasil está recebendo mais do que gastando, uma boa para o país. Afirmo: meia verdade. E meia com chulé. Analisemos nosso famoso superávit, que o carinha da merenda com acerto já sabia – são matematicamente receitas menos despesas.
Estas podem ser divididas em dois tipos: as correntes e as de capital. As de capital são os investimentos do governo, nela incluímos a construção de hidroelétricas, de hospitais, de escolas. Investimentos esses, a princípio, previsto no Plano Pluri-anual, que o garoto ouviu na TV também quando voltou para pegar a coca-cola que tinha esquecido na geladeira. Esse Plano devia ser bem mais explorado, porque nele o governo mostra a que veio, no que pretende investir nos próximos quatro anos, mas pouquíssimos tomam conhecimento dele. Além desse tipo, temos as despesas correntes. Essas são as que fazem a roda girar, o sistema público funcionar: o dinheiro para pagar os funcionários, para comprar a caneta dos deputados, para arcar com os juros da dívida externa. Por favor, lembrem-se desses juros, voltaremos a eles ainda. A realidade das despesas brasileiras amostra que, infelizmente, as correntes são superiores às de capital. Gastamos mais para manter a máquina em movimento do que para educar nossas crianças, dar saúde à nossa população, gerar empregos nas construções governamentais. A Lei de Responsabilidade Fiscal (impossível fugir do Direito!) já aborda até mesmo a possibilidade de exclusão dos funcionários públicos caso a folha de pagamentos da União, dos Estados ou dos Municípios esteja excedendo determinada porcentagem do total de despesas de tais esferas. Não estamos tão bem.

Mesmo assim é notícia: Brasil atinge as metas de superávit primário. E se o atinge, é à custa de quê? Digo: recordes sucessivos de arrecadação tributária. Não é novidade para mais ninguém que os tributos no Brasil estão entre os maiores do mundo. Há três formas de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Certa vez, ouvi de um vizinho que me dava carona até a praça: “Pago meu IPVA direitinho para ter que dirigir nessa merda de rua. Toda esburacada”. Falou merda, nos dois sentidos. Realmente, como cidadão, ele teria seus direitos de melhores estradas, mas não se pode relacionar isso ao pagamento de um imposto. O imposto não está vinculado a nenhuma vantagem a quem paga. Ele vai para os cofres públicos que fazem dele o que bem entenderem. Não há problemas em pegar o IPVA para construir um hospital. As taxas, sim, têm alguma relação com os benefícios de quem paga. Quem paga taxa da coleta de lixo tem o direito de ver os garis recolhendo alegremente o que colocam nas lixeiras em frente às residências, com cheirume e tudo. No meu bairro, nós pagamos a tal taxa. Teve um, Marcelo, que não quis pagar. Alegara que não punha lixo pra fora de casa, enterrava-o no quintal, ou outras alegações que não recordo. Sei que não conseguiu o que queria: continua pagando. Isso porque a taxa incide sobre quem usa e também sobre quem pode usar. Outro vizinho chorava suas mágoas: “Pago meu IPTU direitinho para ter minha rua asfaltada, a iluminação pública perfeita, ver as praças arborizadas, mas olha só: nosso bairro está uma merda”. Leitor atento já sabe que falou merda, e nos dois sentidos também. O que pode desconhecer, porém, é que se a Prefeitura executasse as obras exigidas pelo chorão, aumentando o valor do seu imóvel, poderia ser tributado com a chamada Contribuição de Melhoria. Já que suas posses subiram de preço devido às obras públicas, nada melhor que retribuir aos cofres da cidade com uma contribuição sobre a valorização obtida.

Nossa recordista arrecadação tributária é fortemente calcada nos impostos indiretos, aqueles que incidem sobre os produtos. O imposto direto, como o Imposto de Renda, tem uma característica chamada progressividade – quanto mais ganha o sujeito, uma maior porcentagem do seu salário é despendida em tributos. Esse fato não ocorre com os indiretos, como o ICMS. O carinha que esquecera a coca-cola tinha pagado, sem se atentar para isso, 10 centavos de ICMS, ou seja, 1% da sua mesada. Agora o deputado que toma sua coca-cola numa praia do Nordeste também paga os mesmo 10 centavos, ou seja, 0,0000000001% do seu mensalão. É o que chamamos de imposto regressivo. Esse tipo de imposto, que predomina no sistema tributário brasileiro, atrapalha em muito a distribuição de renda.

Apesar disso, isso não é tudo. Vamos à realidade. Na continha de subtração que resulta no superávit primário não entram os juros da dívida pública que pedi educadamente para que lembrassem. Alcançam-se esses índices para justamente poderem pagar o que devem. Quando incluímos esse pequeno detalhe, acabamos no que é denominado déficit nominal. O país, na verdade, gasta mais do que arrecada, o que normalmente acarretaria num maior endividamento do país. Para solucionar esse problema, pode-se apelar para a emissão de papel-moeda ou aumento das taxas de juros. Não dando jeito, apela-se ao FMI. E é por isso que estamos onde estamos.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Sr. Lawrence Cosme Kohlberg, o vigia

Não era o objetivo inicial, mas pelos sopros dos ventos do destino, o Sr. Antônio Cosme Feijão tornou-se alvo constante de análise dos mais diversos tipos, dentro das mais diversas teorias. É objetivo agora analisá-lo sob os aspectos do desenvolvimento moral dissertados pelo norte-americano Lawrence Kohlberg. Ele divide o desenvolvimento moral em três níveis, e cada nível, em dois estágios que serão abordados um a um em seguida.

O estágio mais primitivo corresponde às atitudes praticadas com temor da punição. Seu Cosme, coitado, só vigiava por medo de ser processado. Assim como eu, pouco sabia de leis. Mas outro vizinho meu, de uma esperteza um pouco mais apurada, jurou de pé junto, mão na escritura, que se sumisse um alfinete de sua casa, entraria com um processo judicial sobre o vigilante. Se esse morador sabia de alguma lei, com certeza era da Lei de Gerson, aquela de tirar vantagem em tudo.

O outro estágio do nível pré-convencional se caracteriza pelo desejo da recompensa. Incansável, Seu Cosme, inocente e esperançoso, ficava horas a fio, rondando, rondando, sem parar de rondar. E apito anunciava sua presença a quem queria e a quem não queria sabê-la. Com isso, esperava receber um pouquinho mais que os 10 contos prometidos. Nem que fosse 10 contos e um café, ou 10 contos e um elogio para aumentar o ego naqueles dias mais cinzentos.

O estágio que abre o nível convencional está na tentativa de ser visto como o "bom moço". Nada melhor para o velhote que ser reconhecido como bom vigilante, ciente de suas atribuições e fiel cumpridor de suas obrigações. Sempre presente, cumprimentando a todos que via com seu boa noite habitual e educado.

Já o quarto estágio é voltado para a autoridade. Ele cumpre seus deveres porque assim manda a lei. E lei não se pondera, cumpre. Rígido, não aceitava um senão, ou desvio da rota que conduzia a perfeita execução da vigilância do local. Seu Cosme, o Caxias com um colete preto escrito "segurança". A espada invicta virara o mortal cassetete e o cavalo, a bicicleta caloi de barra circula e cestinha na frente. Era rosa, mas pintava de preto para melhor condizer com o exercícios de suas funções.

O nível pós-convencional inicia-se com a sapiência que as regras são falíveis, uma espécie de "contrato social". Realmente, é bom que se vigie, mas que mal tem num cigarrinho de palha sentado na praça? Nem tudo pode ser feito às riscas. Em compensação, aqueles 10 contos poderiam virar 9 com um pedaço de bolo que restara do aniversário da sogra. Nada mal. Não é necessário se prender tanto assim aos ditames contratuais. Vamos e venhamos, vigiemos numa boa.

O último nível da teoria de Lawrence encerra as virtudes excelsas de justiça. Se faz o que se tem de fazer, porque assim é o correto. O Seu Cosme vigia o bairro com seus nobre motivos de transmitir paz e tranquilidade ao bairro de Roney, de Marcelo, de Gerson. Deseja ver estampado o sorriso no rosto das crianças protegidas, da sogra bem cuidada. Quer ver os moleques brincando de carimba depois da missa, as meninas contando os sete pecados. Quer os enamorados nas calçadas, com beijos modestos, mas despreocupados com os possíveis pilantras. Quer vida e vida em abundância, num país em que a Justiça não seja iguaria de festa, mas o pão-nosso de cada dia, como já disse um brasileiro bom.

Dá-lhe, Seu Cosme, estou contigo e não abro!

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Os defeitos à luz da HD

Depois de feitas as necessárias considerações sobre o caso do vigia, gostaria de tratar o contrato dele com a vizinhança como um negócio jurídico. Tentaremos ver se o negócio é nulo, ou pelo menos anulável, em método que se assemelha ao hipotético-dedutivo nas tentativas de falseamento.

Será que era possível ao velhote realizar a proteção do quarteirão? O Código Civil invalida o negócio jurídico em caso de coisa impossível de se fazer ou em cargos impossíveis. Ora, meu bairro não é o que a imprensa chama de local de alta periculosidade. O crime no local ainda é bebê, só um pequeno magote de malandros advindos das favelas vizinhas. Apesar de tudo que já foi alegado, quero crer que no meu bairro o canela-seca daria um jeito. Partindo da possibilidade de cumprimento daquilo que estava acertado, iremos analisar os possíveis defeitos do negócio jurídico.

Houve erro? Haveria se na hora da escritura trocassem o nome do dito cujo. Em vez do nome que a mãe lhe dera, Antônio Cosme Feijão, colocassem uma gracinha do tipo Antônio Cospe-Feijão. Na hora do vamos ver, o velho alegaria que não era ele, Seu Cosme, o responsável pela segurança da área. “Que nada, moço, só estou passando por aqui, quem vigia a área é um tal de Cospe-Feijão”. Se, não obstante sua negação, o idoso pudesse ser identificado pelo contexto e pelas circunstâncias como o vigilante, cairia no artigo 142 do Código já citado. Também poderia vir da outra parte: não era 600 que constava, mas 009 reais. O escrivão lendo ao contrário confundiu a cabeça, algo do tipo, colocou ao contrário. Ao fim do mês, sem dúvidas, o “nosso herói” ia dizer o que citei em outro texto – “quero meus 600”. Isso só não prejudicaria a validade do negócio jurídico caso os moradores se oferecem para executar o pagamento na conformidade da vontade real do manifestante, conforme o artigo 144. Como nada disso ocorreu, não houve erro.

Houve dolo? Caso Seu Cosme houvesse omitido a ausência não só do canela-seca, mas também do mortal cassetete; e como se não bastasse, omitido também a deficiência visual não corrigida por óculos e a dificuldade de locomoção por causa da idade – haveria. A vizinhança também poderia, por sua vez, omitir do vigia a fama do bairro: dominado pelo tráfico com meliantes armados até as gengivas. Assinando o contrato, ele assinava a própria certidão de óbito e não sabia. Pior seria se ambas as coisas ocorressem, daí o coitado não poderia nem alegar o dolo para anular o negócio em poucos dias seria notícia de jornal. Já falei do canela-seca e da infância criminal do lugar, concluindo que não houve dolo.

E coação? O vigilante não seria doido de amostrar o 38 de casa em casa exigindo que a vizinhança pagasse os 10 contos, cada casa. E será que Marcelo deixaria a sogra morrer pra resguardar a própria vida? Lembremos que a senhora é parenta de primeiro grau por afinidade do meu vizinho, parentesco esse que não se extingue nem com a dissolução do casamento. Se os moradores jurassem a Seu Cosme que, se ele não fizesse a segurança, colocariam-no na Justiça, nem seria, pois não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito. Sabemos – não houve.

E será que foi num estado de perigo? Seria se a vizinhança assustada pelas mortes que estavam ocorrendo cada vez mais freqüente – Marcelo ainda em luto pela inesperada morte da filha antes mesmo da esperada morte da sogra – aceitasse o triplo do preço, 1800 reais no bolso do velhote metido a leão de chácara. Uma fortuna. Ou então o pobre-diabo, com a filha doente, desempregado, aceitasse a bagatela dos 9 reais, dessa vez sem erro do escrivão. Ou até um pouco mais, porém que não lhe desse condições de sobrevivência. De fato, não foi.

Ocorreu lesão? Ocorreria nos casos dos 1800 e dos 9, mas não por causas das filhas, mas sim por inexperiência. O vigia nunca havia vigiado, nem sabia quanto cobrar, aceitou a merreca. Ou bairro nunca tinha pagado vigia, o que de fato era verdade, mas como o bolso é a parte mais sensível do corpo humano, não meteriam quase dois mil no do velho assim tão facilmente.

E fraude contra credores? A Constituição só prevê punição para dívidas no caso de obrigação alimentícia ou do depositário infiel. Eu não queria colocar Antônio Cosme Feijão como credor quirografário nem o maldito Marcelo como um devedor insolvente para não complicar, mas se este não pagasse a dívida e começasse a passar os bens para o nome da sogra para continuar sem pagar, possivelmente o defeito aconteceria. Mas não aconteceu.

Após essa longa e chata análise, concluo que não é anulável, mas afirmo isso sem muita certeza pela impossibilidade de se olhar o fato por todos os ângulos. E, para caracterizar a hipotética dedução, deixo em aberto o tema para que possa ser aprofundado em pesquisas futuras.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Considerações sobre o velho vigilante

Quando o Estado não cumpre a função de segurança, a sociedade busca outros meios. No caso do bairro do Roney, a vizinhança achou por bem contratar um velhote metido a leão de chácara. No emaranhado das leis, isso pode dar merda.

Algumas complicações:

- Exercício ilegal de profissão. Para exercer esse trabalho, Seu Cosme deveria ser funcionário de uma empresa de segurança privada idônea.

- Porte ilegal de armas. Sendo um velho, Seu Cosme não podia contar só com a sua perspicácia e com a sua força física descomunal combinada a um mortal cassetete. No mínimo, devia andar com um 38 canela-seca na cintura. E deduz-se que ele não tinha permissão legal pra usar um trabuco desses.

- Usurpação de função pública. Se visse algum suspeito, com que legitimidade o nosso herói poderia abordá-lo?

- Perturbação do sossego alheio. Aquele apito chato ecoando na noite silente acorda qualquer um. Sem mais.

- Criação de vínculo empregatício entre Seu Cosme e a vizinhança.

- Se Seu Cosme morresse ou levasse um balaço durante o serviço, os contratantes poderiam ser “enquadrados” por responsabilidade solidária concorrente e ainda poderiam pagar os encargos trabalhistas, como INSS, FGTS, PIS etc.

O pior de tudo é a sensação ilusória de segurança. O que pode fazer um velho decrépito diante de um robusto meliante armado? Sem preparo, só pode morrer.

Mas, e aí? Se o Estado não faz, fazer o quê? Antes de dormir, rezar pedindo o tranqüilo sono dos justos? Antes deixar uma isca aos pilantras, resolveu a vizinhança.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Free Rider na mão invisível


O economista escocês Adam Smith acreditava que se todos agissem de forma egoísta, as pessoas chegariam ao máximo de bem-estar. Criou assim a teoria da "mão invisível", dizendo que se todos procurassem alcançar seus lucros máximos, movidos pelo interesse próprio, produziriam sem querer o melhor para a sociedade, como se fossem guiados pela tal da mão. Sinto informar, mas essa teoria e algumas outras de não-intervenção do estado na economia, inclusive as anarquistas, bateram de frente com o "free rider problem".
No início da década de 90, quando cheguei ao bairro que resido atualmente em Fortaleza, chegaram também o furto e a violência. Não os trouxe, juro, mas vieram. Por causa disso, o pessoal do quarteirão resolveu contratar um vigia para prover a segurança mínimas às casas no período noturno. 60 casas, cada uma pagaria 10 reais, 600 reais, bom dinheiro, dava para um cidadão viver dignamente. E acertou esse valor com Seu Cosme, já senhor maduro tendo por hábito o fumo de cigarros que ele mesmo fabricava. O cheiro dos tais já o identificavam. De início, tudo bem, mas sempre há um esperto.
Meu vizinho Marcelo resolveu parar de pagar. Alegou doença da sogra, despesas a mais com uma das dependentes que declarara no último Imposto de Renda, estava apertado, duro, liso. Sem erotismo, por favor. Mas o fato é que Seu Cosme continuou exigindo os 600 e para não descontentar o cabra velho, cada um tinha que pagar agora o valor de 10 reais e 17 centavos. Nem me importei de início, dava até 50 centavos a mais do que antes. Mas o que aconteceria se Seu Cosme visse um malandro adentrar a casa do Marcelo para roubar? Decerto a omissão como forma de vingança, ou simplesmente de justiça, poderia ser vista pela Justiça no artigo 186 do Código Civil como ato ilícito. Teria de exercer sua função profissional, mesmo sem receber nenhum centavo do roubado.
O pior de tudo é que foram percebendo isso, ou melhor, fomos. Houve uma epidemia no quarteirão. As sogras começaram a adoecer, os salários reais foram diminuindo por causa da inflação, os meninos novos começaram a entrar nas escolas particulares, e os gastos estavam cada vez maiores, consoantes afirmavam os moradores, impossibilitando o pagamentos da mensalidade para o vigia. Assim, eu fui pagando cada vez mais por mês, até ficar numa situação insustentável, porque não poderia dar sozinho 6oo reais para o vigia.
Isso é o "free rider problem". Porque eu pagaria por um benefício se posso pegar carona no benefício que o outro já paga? Se ninguém pode me excluir por inadimplência do usufruto de determinado bem, melhor ficar sem pagar que gasto o dinheiro no shopping mais tarde. Porém, visto que há muitos espertos para poucos otários, acaba que ninguém paga nada, e ninguém recebe nada também.
Esse fato também justifica a existência dos bens públicos, regulamentos nos artigos 98 e 99 do Código já citado. Já pensou se privatizassem as Forças Armadas? Você pagaria por elas, mesmo sabendo que as fronteiras do seu país estariam a salvo, já que alguém do país paga e tem direito a isso? Eu pagaria, mas somente se não houvesse conhecido Marcelo. Hoje em dia, não pagaria mais não. E se todas a costa brasileira fosse privatizada? Você pagaria, mesmo sabendo que qualquer uma poderia tomar banho de mar, pagando ou não?
O problema é este: se todos podem fazer, ninguém faz, porque pensam que outro poderia fazer no seu lugar. É o que ocorre no Brasil com os assuntos de maior relevância. A assembléia constituinte de 1988 colocou como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no seu artigo 23, as principais preocupações nacionais: democracia, saúde, cultura, arte, educação, ciência, meio ambiente, fauna, flora, alimento, moradia. Mas como todos podem fazer, ninguém faz, deixa como está.
"Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio 'auto-interesse'", afirmou Smith. "Minha sogra tá doente, tem como pagar não", disse Marcelo. "Quero meus 600!", exigiu Seu Cosme. "Não posso pagar tudo sozinho", falei eu. E assim o Free Rider deu um aperto na mão invisível, e sairam por aí contando sobre a realidade que acontece hoje no Brasil, como já dizia Gil Vicente no seu personagem Belzebu:

Para que sirva de aviso,
mais uma transa se escreve:
Todo Mundo quer Paraíso
e Ninguém paga o que deve

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Sejamos!

Me atrevo, pois, a lançar aqui alguns gracejos sem graça, à guisa de inauguração:

Numa aula de matemática da quinta-série, o menininho ouvia atento os algebrismos. No meio deles, sem pedir licença nem permissão, rasgando a lógica do problema exposto no quadro negro, na verdade verde - uma frase. Resolver problemas é uma simples questão de habilidade ou tempo, mas gerar novos problemas ou olhar os antigos com um ângulo novo requer imaginação criadora, e é isso que contribue para o progresso da ciência (EISTEIN, 19??). Me abstive da gramática e das aspas porque não quero conceder ao grande físico palavras que não sejam suas, mas que foram essas palavras usadas e esse o cara escolhido como autor, isso foi, conforme disse o mestre. E o mestre que falo, foi professor nosso, Geraldo Macêdo, com acento circunflexo no e, escrito com sua mão canhota.
E mesmo querendo a todo custo negar a autobiografia, o moleque é-me eu mesmo, admito. Na época, enxadrista de primeira linha para a idade, bom para números; hoje, um nada. Nem sei como o tempo conseguiu incutir em mim dificuldades de aprendizagem, quer dizer, até sei, mas não vem ao caso contar aqui o que já são outros cem mil-réis. Não lembro mais da indução matemática dos livros vermelhos que o mestre me indicou, mas lembro perfeitamente da frase atribuída ao gênio de cabelos arrepiados e língua pra fora. Isso porque há certas coisas que marcam a vida e a lembrança da gente, mesmo sem ter um sentido específico. Um quadro abstrato com a moldura enparafusada na parede da memória.
Quem sabe seja nossa intenção isto: pintar esses modernismos nas mentes mais atentas da atualidade, mesmo que depois seja apagada com cal. Apesar de levar a escalação da seleção brasileira de 1994, o poema Cante Lá que eu Canto Cá e uma dúzia de partidas de xadrez na memória, ainda me sobra um abismo de conhecimentos vagos, que existem e não detenho, outro detém. Por isso que nós reunimos aqui, alguns amigos de longa data, outros de data nem tão longa assim, pra juntar os abismo que se chamam, que gritam com os ecos dos próprios abismos. Abyssus abyssum invocat. Para comungarmos juntos do mesmo pão, pão de Ló. Quem sabe não sirva pra alimentar jumentos, mas somos um pouco menos que isso, somos gente. Ou pelo menos, sejamos!