quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Free Rider na mão invisível


O economista escocês Adam Smith acreditava que se todos agissem de forma egoísta, as pessoas chegariam ao máximo de bem-estar. Criou assim a teoria da "mão invisível", dizendo que se todos procurassem alcançar seus lucros máximos, movidos pelo interesse próprio, produziriam sem querer o melhor para a sociedade, como se fossem guiados pela tal da mão. Sinto informar, mas essa teoria e algumas outras de não-intervenção do estado na economia, inclusive as anarquistas, bateram de frente com o "free rider problem".
No início da década de 90, quando cheguei ao bairro que resido atualmente em Fortaleza, chegaram também o furto e a violência. Não os trouxe, juro, mas vieram. Por causa disso, o pessoal do quarteirão resolveu contratar um vigia para prover a segurança mínimas às casas no período noturno. 60 casas, cada uma pagaria 10 reais, 600 reais, bom dinheiro, dava para um cidadão viver dignamente. E acertou esse valor com Seu Cosme, já senhor maduro tendo por hábito o fumo de cigarros que ele mesmo fabricava. O cheiro dos tais já o identificavam. De início, tudo bem, mas sempre há um esperto.
Meu vizinho Marcelo resolveu parar de pagar. Alegou doença da sogra, despesas a mais com uma das dependentes que declarara no último Imposto de Renda, estava apertado, duro, liso. Sem erotismo, por favor. Mas o fato é que Seu Cosme continuou exigindo os 600 e para não descontentar o cabra velho, cada um tinha que pagar agora o valor de 10 reais e 17 centavos. Nem me importei de início, dava até 50 centavos a mais do que antes. Mas o que aconteceria se Seu Cosme visse um malandro adentrar a casa do Marcelo para roubar? Decerto a omissão como forma de vingança, ou simplesmente de justiça, poderia ser vista pela Justiça no artigo 186 do Código Civil como ato ilícito. Teria de exercer sua função profissional, mesmo sem receber nenhum centavo do roubado.
O pior de tudo é que foram percebendo isso, ou melhor, fomos. Houve uma epidemia no quarteirão. As sogras começaram a adoecer, os salários reais foram diminuindo por causa da inflação, os meninos novos começaram a entrar nas escolas particulares, e os gastos estavam cada vez maiores, consoantes afirmavam os moradores, impossibilitando o pagamentos da mensalidade para o vigia. Assim, eu fui pagando cada vez mais por mês, até ficar numa situação insustentável, porque não poderia dar sozinho 6oo reais para o vigia.
Isso é o "free rider problem". Porque eu pagaria por um benefício se posso pegar carona no benefício que o outro já paga? Se ninguém pode me excluir por inadimplência do usufruto de determinado bem, melhor ficar sem pagar que gasto o dinheiro no shopping mais tarde. Porém, visto que há muitos espertos para poucos otários, acaba que ninguém paga nada, e ninguém recebe nada também.
Esse fato também justifica a existência dos bens públicos, regulamentos nos artigos 98 e 99 do Código já citado. Já pensou se privatizassem as Forças Armadas? Você pagaria por elas, mesmo sabendo que as fronteiras do seu país estariam a salvo, já que alguém do país paga e tem direito a isso? Eu pagaria, mas somente se não houvesse conhecido Marcelo. Hoje em dia, não pagaria mais não. E se todas a costa brasileira fosse privatizada? Você pagaria, mesmo sabendo que qualquer uma poderia tomar banho de mar, pagando ou não?
O problema é este: se todos podem fazer, ninguém faz, porque pensam que outro poderia fazer no seu lugar. É o que ocorre no Brasil com os assuntos de maior relevância. A assembléia constituinte de 1988 colocou como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no seu artigo 23, as principais preocupações nacionais: democracia, saúde, cultura, arte, educação, ciência, meio ambiente, fauna, flora, alimento, moradia. Mas como todos podem fazer, ninguém faz, deixa como está.
"Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio 'auto-interesse'", afirmou Smith. "Minha sogra tá doente, tem como pagar não", disse Marcelo. "Quero meus 600!", exigiu Seu Cosme. "Não posso pagar tudo sozinho", falei eu. E assim o Free Rider deu um aperto na mão invisível, e sairam por aí contando sobre a realidade que acontece hoje no Brasil, como já dizia Gil Vicente no seu personagem Belzebu:

Para que sirva de aviso,
mais uma transa se escreve:
Todo Mundo quer Paraíso
e Ninguém paga o que deve

Um comentário:

Pedro Roney disse...

Para que não me venham com argumentos do código penal a favor do velho, adianto que li o acordo entre os moradores e o dito cujo. Dizia claro na cláusula 4: "É obrigação do vigia evitar o furto em todas as residências do quarteirão". Quem tem conhecimento de causa é outra história ;)